NOS BRAÇOS DE MORFEU

Não é de hoje que muitas pessoas enfrentam, em longas noites insones, a desgastante batalha do dormir. Não são suficientes nem que o rebanho inteiro de ovelhas brancas salte a cancela, nem que o riacho de águas claras e margens floridas flua pela imaginação ou ainda que todas as preces sejam rezadas, porque nada, absolutamente nada, parece sensibilizar o deus do sono. À falta de outros meios eficazes, recorre-se então à medicina e aos psicolépticos, que a princípio funcionam bem, mas logo exigem doses cada vez maiores que levam a indesejável dependência, sem falar em outros efeitos colaterais sobre o organismo. E como fazem falta noites bem dormidas, de sono profundo e sonhos agradáveis!

O tema não é novo, tanto que a fértil imaginação dos gregos já tinha criado, na antiguidade clássica, um deus mitológico do sono e outro dos sonhos. Com efeito, tanto o deus do sono, Hipnos, como seu filho Morfeu, dos sonhos, dispunham de grandes asas que lhes permitiam vagar silenciosamente pelos mais distantes rincões da Terra e, assim, atuar sobre os mortais. Dessa forma, a insônia significava que, por uma razão qualquer, o vivente não havia recebido a visita benfazeja das aludidas divindades. Foi do nome do deus mitológico do sono, Morfeu, que derivou o substantivo “morfina”, potente analgésico causador de sonolência e de efeitos análogos aos dos sonhos. 

A novidade, agora, é que algumas empresas de tecnologia resolveram criar artefatos destinados a ajudar-nos a conciliar o sono, o mais eficaz reparador de forças físicas e mentais. Sem dúvida alguma, o principal fator que levou os cientistas a se debruçarem sobre o tema, foi a constatação de que a causa principal desse mal dos tempos constitui, acho que ninguém discorda disso, a agitada vida moderna em que todos correm a fim de dar conta de muitos compromissos, Fala-se, também, no efeito perverso do uso de celulares como inibidor do hormônio do sono, conclusão a que não se dá muita importância. E assim foram surgindo algumas soluções bastante interessantes, todas muito bem pagas – em dólares –, para ajudar-nos, a nós, pobres mortais, a dormir.

Com efeito, a “startup” holandesa Somnox criou pequeno robô para fazer “conchinha” – vocábulo adorável e terno – que está fazendo muito sucesso. Trata-se de almofada de cerca de cinqüenta centímetros, dotada de sensores e de pequeno motor que simulam a respiração e os batimentos cardíacos de um parceiro de cama invisível. Também há uma espécie de faixa, criada por empresa francesa, que, posta na cabeça, monitora a qualidade do sono e estimula sua permanência em estágio profundo, Além de camas inteligentes e de aromatizadores – estes da chinesa Sleepace – que ajudam a dormir. Sem falar em inibidores de ronco, esse detestado vilão que já fez muitas mulheres deixarem o marido sozinho na cama do casal.

De minha parte, devo dizer que só tive problema dessa natureza no ano passado, quando não havia meios de o “verdão” acertar o pé. Mas resolvi a situação por mim mesmo, apelando pela “conchinha ao vivo” – bem melhor que a tal almofada – com direito a perfume de lavanda nos cabelos da esposa. Apenas uma única vez foi preciso que ela me fizesse um cafuné relaxante, que me levou em poucos minutos ao sono. Só fiquei preocupado – na verdade, muito preocupado, todos os leitores podem imaginar por que – quando, na manhã seguinte, ela me revelou: “Sabe, querido, você também ronca, e bem alto...”.

 

Darly Viganó

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