CARROS AUTÔNOMOS

Aconteceu há cerca de trinta dias, em pequena cidade perto de Phoenix, no Arizona, USA: um carro Volvo XC90 da Uber, trafegando em modo autônomo, atropelou senhora de quarenta e nove anos que, embora levada ao hospital, não resistiu e foi a óbito. Ainda que o chefe de polícia local tenha relatado que ela não estava atravessando na faixa de pedestres e que seria “muito difícil evitar o atropelamento com qualquer tipo de condução”, o incidente provocou inúmeras discussões, principalmente sobre se veículos trafegando sem motorista têm condições de tomar decisões morais.

 

A respeito desse tormentoso tema, o biólogo Fernando Reinach publicou interessante artigo no jornal O Estado de São Paulo, em que figura o exemplo de carro autônomo com três pessoas trafegando por estrada com barranco de um lado e precipício de outro. Se potencial suicida atirar-se na frente do veículo, não dando tempo a frenagem que salvaria todos os envolvidos, que solução deveria estar programada em face de tal emergência? Atirar o carro contra o barranco ou então lançá-lo ao precipício, salvando o desavisado pedestre, mas correndo o risco de matar seus ocupantes? Ou atropelá-lo e dessa forma salvar os três passageiros? E se no interior do veículo estiver uma única pessoa, que vida preservar?

Todo mundo sabe que a maior parte dos acidentes de trânsito tem sua origem em falhas humanas, vale dizer, na irresponsabilidade dos próprios motoristas. Com efeito, quantos espertalhões conseguem carteira de habilitação, sabe-se lá por que meios escusos, sem estarem aptos a dirigir veículos motorizados? Ou abusam da velocidade, mesmo quando sóbrios, julgando-se verdadeiros ases do volante, ou então dirigindo com a mente embaralhada pela ingestão de álcool? Ou ainda sem tomar os devidos cuidados com a manutenção do veículo, freios e pneus principalmente?

Veículos autônomos, de várias montadoras, ainda em fase de exaustivos testes de aperfeiçoamento, já circulam em cidades e estradas de muitos países, mas ainda com uma pessoa de sobreaviso para qualquer eventualidade. E os números vêm mostrando segurança cada vez maior, pois há respeito absoluto às normas de trânsito, não se trafega em alta velocidade, nem “colado” ao carro da frente e nem são feitas ultrapassagens perigosas. 
Decisões “morais”, contudo, não podem ser tomadas por computador, eis que são privilégio natural do ser humano. O que é possível fazer é programá-lo para decidir, diante de situações emergenciais como as mencionadas acima, como agiria a maioria de motoristas sensatos e hábeis. A questão maior, entretanto, é chegar a razoável consenso de qual seria esse comportamento, o que me parece tarefa bastante ingrata.

Foi só por ainda existirem tantas questões abertas em torno desse outrora impensável tema, que resolvi procurar o Raimundo, aquele caiçara boquirroto que todos já conhecem, a fim de perguntar-lhe o que faria naquelas situações em que se precisa tomar uma decisão moral. “Seu doutor, eu não vou arriscar minha pele para salvar quem quer que seja, não vou mesmo”. Conversa vai, conversa vem, perguntei-lhe também sobre carros autônomos, aqueles que não precisam de motorista. “Eu era contra, onde já se viu tirarem de mim o prazer de guiar. Mas depois do que aconteceu, pensei um bocado e passei a aceitar”. Precisei insistir um pouco para que Raimundo me contasse o que havia acontecido. “Foi aquela morena boazuda que mora na minha rua, não sei se o senhor conhece, ela ia pela calçada, de shortinho curto, eu não podia deixar de olhar e acabei batendo na mureta da casa do vizinho. Se meu fusca fosse desses inteligentes, não teria gastado aquele dinheirão...”.

Darly Viganó