SURPRESAS

Acho que foi de professora do Grupo Escolar de minha cidade natal que ouvi, pela primeira vez, a conhecida história do ermitão que morava em caverna mal iluminada e que, de tão preguiçoso, nunca se animou a remover uma pedra encravada no canto em que dormia. Quando faleceu, moradores da cidade próxima resolveram fazer cuidadosa faxina no local, pois se tratava de ponto turístico de grande potencial. A surpresa veio quando a tal pedra foi deslocada, pois sob ela estava escondido fabuloso tesouro. Trata-se, bem reconheço, de narrativa simplória que, no entanto, pode ganhar significância se pensarmos nos tesouros espirituais de que poderíamos desfrutar, acaso nos dispuséssemos a remover entraves psicológicos que os escondem.

Apesar de saber que a vida também algumas vezes imita a ficção, foi com enorme surpresa que li, não faz muitos dias, que o cidadão americano Roger Landau recebeu de herança da mãe, entre outros bens, uma velha pintura descascada que ficava dependurada na sala de jantar da falecida e que ele achava muito feia. Tanto que acabou largando-a, sem nenhum cuidado, debaixo da mesa de pingue-pongue de sua residência. Até que, precisando de reforço financeiro, resolveu colocar tudo em leilão. Aí ocorreu a surpresa maior: o tal quadro, estimado inicialmente em quatrocentos e cinqüenta dólares, foi objeto de acirrada disputa entre um francês e um alemão, sendo ao final arrematado por este último por um milhão e cem mil dólares. É que se tratava de um Rembrandt, pintado quando o gênio holandês da pintura ainda era bastante jovem, de nome “Paciente Inconsciente”, que o astuto arrematador revendeu, em 2016, por quatro milhões de dólares. Se o surpreso Roger Landau tivesse removido a pedra de sua indiferença, ou seja, submetido o quadro à avaliação de perito especializado, seu lucro teria sido muito maior.

São recorrentes episódios dessa natureza durante a vida. Poucas vezes por preguiça, mas quase sempre por ignorância e até mesmo indiferença, deixamos fluir por entre os dedos oportunidades que nos trariam melhores condições de vida.

Quanto a mim, penso que a oportunidade maior posta nos caminhos de minha vida, foi conquistar aquela loirinha de cabelos encaracolados que, pela primeira vez, pude ver no balanço da grande mangueira da residência de meus pais. Mas isso já relatei em crônica anterior e se agora repito é simplesmente para marcar que, desde muito jovem, soube aproveitar as chances que a vida me ofereceu. Como quando, solteiro ainda, sonhei com determinado número, corri à lotérica, achei o bilhete procurado e pensei: “É agora que vou ficar rico.” Não deu nada...

Contudo, se ocorrer de novo, juro que volto à lotérica, ciente que estou de que os deuses da sorte costumam testar nossa fidelidade aos sinais que muitas vezes nos enviam. Só que, hoje, fico em tremenda dúvida sobre o que fazer com a dinheirama toda. Gostaria de comprar uma BMW 1.200 cc, porém não dá mais.

Além do que, não existe na cor verde...

E também vou procurar, nos tarecos que guardo na garagem de casa, um pequeno retrato a óleo que me foi dado de presente por amigo que se mudou, já faz anos, para os Estados Unidos. Vai ver que se trata. não de um Rembrandt – isso já seria demais – , porém de um simples Modigliani, que vou dependurar na sala da casa a fim de fazer inveja aos amigos...

 

Darly Viganó

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