POLÍTICAS INSÓLITAS

POLÍTICAS INSÓLITAS
A imagem que vi pela televisão deixou-me perplexo: pesada escavadeira, qual monstro voraz, passando por cima de carros e motocicletas de luxo apreendidos como contrabando, entre os quais um Lamborghini Gallardo, um Porsche Carrera, u’a Mercedes SLK 280 e várias potentes Harley Davidsons, destruindo-os inapelavelmente. O fato ocorreu na província filipina de Cagayan, sob a justificativa de desencorajar eventuais novos contrabandistas. 
Ninguém em sã consciência pode ser contra o combate ao contrabando e ao descaminho, condutas delituosas que afrontam diretamente o interesse público. Apenas para registrar, sem maiores aprofundamentos, o contrabando caracteriza-se pela entrada no país de produto legalmente proibido, enquanto que o descaminho ocorre quando o bem, embora não sendo proibido, ingressa sem o pagamento dos tributos devidos. 
O que não se compreende é que os bens apreendidos, muitos de alto valor, como os mencionados acima, sejam destruídos ao invés de regularizados e aproveitados pela própria administração, ou então vendidos para terceiros interessados, como fazem praticamente todos os países. Até porque não procede o argumento de que sua destruição, em espetáculo midiático visto pelo mundo inteiro, venha a inibir novas condutas desse jaez. 
A vida em sociedade, com os apelos que o consumismo consegue fazer chegar à população através de engenhosas operações de marketing, produz distorções que precisam ser diuturnamente combatidas, mas de forma inteligente, sem voluntarismos despidos de base adequada. Vejam outra face desse mundo cruel, que é a busca do prazer, ainda que artificial, pelo consumo de drogas psicotrópicas. É tamanha sua força que os adictos acabam destruindo tudo, a família, a saúde e até a própria vida a fim de satisfazer o vício que os subjuga. E como esse nefando comércio movimenta milhões, surgem os aproveitadores da desgraça alheia, articulados em poderosos carteis ou em facções criminosas que, à força de modernas armas, desafiam o poder público e até dominam partes do território, impondo sua lei e sua ordem. 
Combater o tráfico de drogas, assim como o contrabando, é outro desafio dos governos que precisa ser feito com inteligência. A pena de morte para traficantes, que nas Filipinas também executou, ao que me consta, dois desavisados brasileiros, apesar dos pedidos de clemência de nosso governo, também parece de nada adiantar. É que não é apenas o medo de ser levado ao pelotão de fuzilamento que dissuade o intermediário de traficar, mas principalmente a enganosa certeza de que não vai ser preso. Sabe-se que a controvertida política antidrogas filipina provocou, em um biênio, mais de quatro mil mortes, sem acabar de vez com o tráfico.
Gosto de trocar idéias com Raimundo sobre temas atuais. Por isso, aproveitei o momento em que ele me perguntou se tinha visto, pela TV, aquele “tratorzão” passar por cima de carros e motos de luxo, para expor tudo o que penso a respeito. Quando me referi ao fuzilamento dos traficantes de drogas, ele me olhou com um olhar de “não sei não”, muito significativo. Porém, ao comentar a destruição dos carros, foi conclusivo: “Sabe, seu doutor, se eu estivesse lá, ia pedir ao presidente para trocar meu fusquinha pela Mercedes. Pedir não ofende, não é mesmo?”
Darly Viganó
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