FUNCIONÁRIOS FANTASMAS

Era um radiante domingo de sol, com muitas nuvens brancas enfeitando o céu azul. A inauguração da nova praça, contígua ao cemitério municipal, contava com a presença de muitas autoridades e de contingente razoável da população. Eu inclusive, já que se tratava de minha comarca. Foi quando, minutos antes das solenidades, percebi o coveiro debruçado sobre o muro, somente a cabeça e os cotovelos aparecendo, uma figura sinistra, dessas dos filmes de terror. Então não resisti e disse ao Prefeito Municipal, bem ao meu lado, rindo disfarçadamente: “Está me parecendo um fantasma...”

Não se tratava, por evidente, de nenhuma alma doutro mundo, nem elas costumam aparecer assim à luz do dia. Contudo, são tantos os fantasmas criados pelos corruptos, que nomeá-los e relacioná-los resultaria em alentada lista.

Há, por exemplo, funcionários que já morreram, muitos há tanto tempo que só lhes restam os ossos em campas esquecidas, e no entanto continuam recebendo, dos cofres públicos, os mesmos vencimentos de quando eram vivos. E nem sempre são familiares que se aproveitam dessa boquinha.
Existem também aqueles que estão cheios de vida, mas só aparecem no emprego para receber o dinheiro ao final do mês, em troca do qual são cabos eleitorais de políticos desonestos. O máximo de desfaçatez, contudo, é quando o corruptor, não confiando inteiramente no corrompido, o que é perfeitamente compreensível uma vez que sempre mede tudo pelos próprios valores, exige-lhe uma fração desses vencimentos. 

Lembro-me, a propósito, de famoso jogador de futebol, já então aposentado dos estádios, que, fazendo propaganda de certo produto na televisão, cunhou frase que se tornou famosa, mas que não corresponde à verdade. Dizia ele que “brasileiro gosta de tirar vantagem em tudo”. São poucos – muito poucos – os que optam por enredar-se nos caminhos tortuosos do ilícito, esquecidos de que a vida terrena é finita e nada se pode levar deste mundo. Na imagem perfeita do notável Papa Francisco, nunca se viu caminhão de mudança ao final de enterro. A grande maioria da população é honesta e labuta diariamente para sustento próprio e da família, nunca pactuando com vantagens ilícitas para enriquecimento fácil.

Aquilo com que nossos patrícios contam, talvez em razão da arraigada religiosidade que cultuam, é com a ajuda do Criador para acertar a sena, ou fazer os treze pontos na loteria esportiva – confesso que nem sei se ainda são esses mesmos os sorteios hoje existentes. Contudo, já ouvi ou li não sei onde, que até mesmo nesses sorteios há mutretas muito bem disfarçadas, de nada adiantando, portanto, achar que “Deus é brasileiro...”

Toda essa digressão me veio à cabeça quando li, já faz algum tempo, que também haveria funcionários fantasmas no Cemitério da Consolação, percebendo regularmente seus vencimentos. Está aí uma idéia original, pese embora a ilicitude, uma vez que verdadeiros fantasmas é que por certo não faltam nos cemitérios. Só acho que deveriam eles reunir-se em assembleia a fim de lançar vigoroso repto contra tal vergonhoso procedimento, que não só lhes mancha a reputação, como também perturba seu descanso eterno. É que, como tantas coisas estranhas têm acontecido neste nosso país, não custa nada admitir que também outras, de natureza fantástica, como essa sugerida assembleia, também possam ocorrer. Disponho-me inclusive a redigir a ata, se alguém me disser como poderei colher as assinaturas...

Darly Viganó
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